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O outro lado da cidade
Conheça o dia-a-dia de crianças que moram na favela do Gato, em São Paulo, e que brincam de casinha sem bonecas
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Vida difícil ensina a
ter coragem
Adriana Ellias/ Folha Imagem
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Rafael, 5, Ramiro, 6, e Sheila, 6, na favela do Gato, em São Paulo
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FABRIZIO RIGOUT
da Redação
A favela é um bairro da cidade. Como as pessoas não
têm o costume de entrar na
favela, a não ser que elas morem lá, muitos pensam que
aquele monte de barracos é
um mundo isolado.
Isso não é verdade. Os meninos da favela brincam de
Tazo, andam de bicicleta e jogam bola, iguais às crianças
mais ricas.
Assistem a televisão e estão bem informados
do que acontece no Brasil.
Mas, para a criança favelada, tudo é mais difícil de conseguir. Nem toda família
obriga o filho a ir à escola, por
isso na favela há crianças de
11 anos que ainda não aprenderam a ler e escrever.
A segurança é outro problema. Nas favelas mais pobres,
as ruas não têm iluminação e
as casas, de madeira, muito
fracas, não resistem a incêndios, enchentes ou assaltos.
A criança que cresce num
lugar assim aprende a sentir
medo e se torna, na marra,
mais corajosa.
"Só tenho medo da violência, dos tiros", conta Luís
Eduardo Oliveira, 11, morador da favela do Gato Preto,
em São Paulo. "Quero mudar isso, estudar para ser uma
pessoa no mundo", diz.
Adriana Ellias/ Folha Imagem
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Sueli, filha de José e irmã de Ana Paula, com a filha Viviane, de 9 meses
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Risco de atropelamentos
da Redação
A favela do Gato é também
conhecida como favela do
Gato Preto ou do Bom Retiro.
É considerada uma favela
muito pobre.
A luz elétrica é provisória,
puxada de um posto de gasolina abandonado. O esgoto é
despejado diretamente no
rio. As ruas são de pedra e
chão batido. No Gato moram
aproximadamente 800 pessoas em 315 barracos, quase
todos feitos de madeira.
A favela fica entre duas
grandes avenidas de São Paulo: a marginal do rio Tietê e a
avenida do Estado.
O maior problema das
crianças que moram no Gato
é o risco de atropelamentos.
Para chegar à escola, os meninos precisam atravessar
três pistas da avenida por onde passam caminhões em alta
velocidade.
Vamberto da Silva, 45, um
dos líderes da comunidade,
ficou indignado e pediu uma
passarela à prefeitura.
Enquanto não é construída,
Vamberto pára o trânsito segurando uma placa de "pare" no meio da avenida.
Adriana Ellias/ Folha Imagem
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Fábio, Solange e Ana Paula, na favela do Gato
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Aperto é grande
na hora de dormir
da Redação
Ana Paula, 11, aprendeu a escrever o próprio nome há poucos dias, "mas só em letras separadas." Ela está na 2ª série. Gosta
de brincar com areia e barro da
rua, fazendo de conta que monta
uma casinha, sem bonecas.
Ana Paula tem uma irmã de 5
meses e uma sobrinha da mesma
idade, filha de sua irmã Sueli, 19,
que parou de estudar e casou. O
marido dela é trabalhador, mas
Ana Paula não sabe direito o que
ele faz. "Ele não diz para a gente."
A família mora numa casa à
beira do rio Tamanduateí, um
dos mais poluídos de São Paulo.
Na casa, que tem o tamanho de
uma perua Kombi, moram 12
pessoas. O aperto é grande
quando chega a hora de dormir.
Ana Paula divide o colchão com
cinco irmãos.
Adriana Ellias/ Folha Imagem
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José Pereira, que mora num barraco na favela do Gato, com a família, em São Paulo
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Quer voltar para o Piauí
da Redação
O barraco é uma casa provisória
para a maioria das pessoas da favela do Gato.
As famílias se mudam para a
favela porque vieram de outra
cidade e não têm dinheiro para
comprar casa; porque não podem pagar aluguel; porque são
despejadas; e porque não arranjam emprego.
É comum vender o barraco
quando se precisa de dinheiro.
Aí, a pessoa pega a família e muda para outro lugar, geralmente
onde há emprego. Quando isso
acontece, a criança tem de interromper os estudos, às vezes perdendo o ano.
"Eu morava em um sítio em
Rio Grande da Serra. Meu pai me
trouxe para cá porque não encontrava mais emprego de caseiro", conta Alex Simões, 13.
Alex já trabalhou em um lava-rápido e como gandula do
clube de beisebol que fica ao lado
da favela -pegando e devolvendo a bola ao campo.
"Eu tenho saudade de Limeira, onde eu morava. O rio lá é
mais limpo", diz Élton, 11, que
mudou-se para São Paulo com
cinco irmãos.
Luís Eduardo vai voltar para o
Piauí para morar com a avó. A
mãe dele fica em São Paulo.
"É bom lá porque não tem
muito carro", diz. Luís já não vai
mais à escola porque sabe que
vai mudar de casa.
Pai é carroceiro
O pai de Ana Paula é carroceiro. Recolhe madeira, papelão,
alumínio, latas que as pessoas
jogam fora e vende para depósitos. Diz que foi um dos primeiros moradores da favela; chegou
há seis anos.
"Não tinha nada aqui, só rio e
matagal", conta José Pereira da
Paz, 44. Ele construiu seu barraco sobre palafitas (madeiras),
para não molhar dentro quando
o rio transbordasse. Mesmo assim, a água já chegou até a cintura.
A casa de José não tem sanitário com descarga. Ele diz que toma banho no vizinho ou na casa
do genro. Está juntando madeira
para aumentar o barraco.
Trocou lavoura por favela
O filho recém-nascido de José
ficou 13 dias no hospital, com
diarréia e pneumonia. No dia
que saiu do hospital, sua filha
entrava para ter filho. "Vou ganhar um neto. Dou graças a
Deus porque a família continua
unida." José trocou a lavoura de
mandioca em Ilhéus (BA) pela
favela, onde, segundo ele, a vida
é melhor. "Aqui ganho mais e
não pago aluguel."
Problemas com a família
Criança de favela leva muita
bronca. Tem pai que fica nervoso, se descontrola e dá umas palmadas. Com tanto problema, ter
criança para cuidar pode deixar
de ser uma alegria para se tornar
uma tristeza. Tristeza de não poder dar segurança, roupa ou boa
comida ao filho.
Favelas têm
classes sociais
O nome "favela" vem do morro da Favela, bairro pobre do Rio
de Janeiro de antigamente. Esse
bairro era bem diferente da favela do Gato. O apelido pegou, e
hoje as vilas precárias de todo o
Brasil são chamadas de favelas. É
bom não generalizar. Há favelas
com telefone, asfalto, postos de
saúde e moradores com emprego fixo. Nas favelas há também
classes sociais: favelados pobres
e menos pobres.
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