Índice


Castro Alves e as palavras

EVELINA HOISEL
especial para a Folhinha

Cada artista usa os materiais próprios da sua arte para criar. O pintor usa as tintas, o cineasta usa o filme, o poeta usa as palavras.
O poeta pode usar as palavras como brinquedos, para criar coisas belas, e como armas, para lutar pelas coisas que ele acha certas.
Há 150 anos, em 14 de março de 1847, nasceu na Bahia um dos mais importantes poetas brasileiros: Castro Alves. Ele não usava as palavras para brincar. Castro Alves fazia poemas lindos, mas fortes e impressionantes, porque ele sabia usar as palavras para mostrar o que era injusto e precisava mudar.
Na época em que Castro Alves viveu, ainda havia escravos no Brasil. Ele via e sentia que isso precisava mudar.
Usou as palavras para compor poemas e defender a liberdade de todos e acabar com a escravidão no Brasil.
Castro Alves ficou conhecido como ``O Poeta dos Escravos'', e seus poemas mais conhecidos sobre a escravidão são ``Vozes d'África'' e ``O Navio Negreiro''.
Este é um longo poema em que ele descreve a situação dos negros nos porões do navio, quando eram transportados como carga da África para o Brasil.
Castro Alves usa as palavras para protestar contra o sofrimento dos escravos.
Mas sua poesia não era só sobre esse tema. Como todos os poetas, ele amava os livros, a natureza, a beleza feminina, a liberdade e a justiça.
Outras poesias de Castro Alves falam do poeta como um sonhador, um viajante, um aventureiro. Porque a pátria do poeta é o reino das palavras. Por meio delas, ele realiza suas aventuras.


O laço de fita

CASTRO ALVES

Não sabes, criança? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.
Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.
Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita.
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.
E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!
Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.
Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.
Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez na cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.
S. Paulo, julho de 1868.

Fale com a Folhinha: folhinha@uol.com.br