É lindo um Deus menino
nascendo todo ano
DARCY RIBEIRO
Colunista da Folha
As festas de Natal e de Ano
Novo são importantes para
os brasileiros e para as pessoas do mundo inteiro.
No Natal nós temos uma
velha tradição bonita, dos católicos e cristãos, que é a de
um Deus que nasce todo ano.
É verdade que ele morre todo ano, na Semana Santa,
mas ele nasce todo ano como
menino. Essa idéia de um
Deus menino nascendo é
uma idéia linda.
Então, uma das coisas que a
gente tem de guardar, mesmo
sem ter espírito religioso, é
essa beleza de um Deus menino, de um Deus que renasceu.
DARCY RIBEIRO é antropólogo e escreveu ``Diários Índios'' (Cia das Letras), entre outros.
Ano Novo festeja Iemanjá,
nossa senhora do amor
do Colunista da Folha
A data do Ano Novo tinha já
uma tradição brasileira também, como tem no mundo
inteiro, de comemorar um
ano novo que está
surgindo, trazendo esperança.
No caso do Brasil, é a melhor comemoração, porque
os negros do Rio de Janeiro
inventaram um culto lindo,
que já cobriu todas as praias
do Brasil, é o culto a Iemanjá.
Iemanjá era uma deusasinha africana dos rios, riachos, das águas. Os negros a
puseram no mar, fazendo dela a rainha do mar e sobretudo uma rainha esquisita.
Porque Iemanjá não se interessa por nada prático, não
cura câncer, não cura tuberculose, não cura nada.
Ela consegue que o amante
não bata as asas, que o marido não seja perverso, consegue uma namorada nova.
A gente vai pedir a ela amor.
Iemanjá é uma santa do
amor. Essas duas coisas são
lindas: a tradição do Deus
menino e a tradição de uma
santa do amor, uma nossa senhora que namora.
(DR)
Abaixo as festas
européias de Natal
do Colunista da Folha
As tradições brasileiras de
fazer festas para o Deus menino e para Iemanjá estão soterradas sob um quilômetro
de cinzas. É uma bobagem
passar a comemorar as datas
de Natal e Ano Novo com festas da tradição européia.
Trouxeram para cá um Papai Noel que anda puxado
por uns veados -renas,
uns bichos enormes que
parecem vacas- e que entra pela chaminé.
Aqui não tem esses veados, aqui não tem chaminé e não tem esse Papai
Noel andando na neve.
Então arranjam até neve
de algodão para imitar as
tradições nórdicas.
Para um povo que tem,
como nós temos, tradições de fim de ano, é uma
estupidez substituir nossas datas importantes por
isso.
(DR)
Frutas mais
ricas
do Colunista da Folha
Outra bestagem enorme, que
me revoltou a vida inteira, são as
frutas secas que a gente come no
Natal. No Brasil, nós temos as
frutas mais ricas. As mesas poderiam estar cheias de mangas,
jabuticabas e cajus, toda espécie
de fruta cheirosa e gostosa.
Nesse momento é claro que a
pobre Europa e o pobre mundo
nórdico estão comendo frutas
secas, porque são uns infelizes,
porque lá não dá nada, eles têm
de guardar frutas secas para comer nessa época.
E a gente importa figo seco e
nozes, quando as pessoas podiam fazer uma mesa bonita de
frutas e encher de alegria a família e os convidados.
Isso é uma estupidez brasileira,
das que mais me doem. Nós temos de criar uma tradição a partir de nossa realidade, que é cultuar essas duas datas lindíssimas: a do Deus menino e a da
deusa do amor.
(DR)
O presente vinha do
presépio
do Colunista da Folha
Quando eu era menino, uma
das coisas bonitas é que se armava um grande presépio. Cobria
metade da sala com pedras socadas envoltas em panos, fazendo
um efeito de gruta. A gruta era
feita 15 dias antes do Natal e durava até 15 dias depois.
Era muito bonito de ver, porque tinha três Reis Magos que
iam mudando de posição ao passar dos dias até chegar à gruta no
momento em que Deus nascesse.
Agora bonito é o seguinte, era
o presente. Era debaixo do presépio que as crianças punham os
seus sapatos para receber presentes. Todo mundo pensava
que esse presente era um presente do Natal, um presente do presépio.
Esse negócio de fazer homenagem a Papai Noel, que dá bicicleta para quem está rico e dá pirulito para quem é pobre, isso é
ruim, é falta de tradição.
(DR)
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