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Elas estavam cansadas de aula

FÁBIO ZANINI
da Agência Folha, no ABCD

Três amigas inseparáveis, que estudam na mesma classe e moram na mesma rua, entraram na maior confusão de suas vidas na semana passada, enganando mais de 50 policiais.
No dia 4 de dezembro, P.F.S., 10, K.B.S., 11, e M.A., 12, ``mataram'' a última aula que teriam na Escola Estadual de Primeiro Grau Nelson Pizzotti Mendes, em Santo André (Grande São Paulo), onde cursam a 4¦ série.
As três moram no Jardim Maracanã, bairro da periferia da cidade.
As garotas contam que não estavam com vontade de assistir à aula. ``Já eram quase seis da tarde e a gente estava meio cansada'', disse M.

Famílias chamam a polícia
As três famílias chamaram a polícia, dizendo que as garotas tinham sido seqüestradas.
Quinze carros da Polícia Militar e quatro da Polícia Civil passaram a madrugada procurando as garotas.
A travessura só foi descoberta às 9h do dia seguinte, quando as três, que caminhavam tranqüilamente em Santo André, foram reconhecidas por uma vizinha de K.
``A gente ia aparecer de surpresa, ia ser uma festa. Demos o maior azar'', disse K.

Desculpas esfarrapadas
Coisa mais chata é ter de assistir a aula quando se está sem vontade. A entrar na classe e não prestar atenção em nada, é preferível ficar fora. Porém, nas escolas bem vigiadas de hoje, só se mata aula pulando muro ou inventando uma boa história.
Juliana Magalhães, 9, tentou a tática da dor de cabeça para fugir da aula de matemática, mas se deu mal: ``Disse que estava com dor de cabeça e a professora pediu para eu falar com a diretora. A diretora mandou tomar remédio. Tomei e minha pressão baixou, claro, porque era mentira. Passei mal de verdade''.
O truque da dor de barriga é melhor. Você fala que está com diarréia e se tranca no banheiro até a aula acabar. (FR)

``Ia ser a maior bronca''
As amigas saíram da escola e começaram a passear pelas ruas. Sua única preocupação era como escapar dos pais, que ficariam furiosos quando descobrissem tudo. ``Ia ser a maior bronca. Aí, tivemos a idéia de fingir que tínhamos sido seqüestradas'', disse K.
Por volta de 21h, elas foram a um telefone público ligar para os pais. ``Eu engrossava a voz e dizia: `Olha, aqui é um seqüestrador e vocês não vão ver sua filha até o Natal'. Ninguém desconfiou. Sou boa em imitações'', disse M.
Em seguida, P. fingia estar chorando e pedia ajuda. Depois, as três pegaram um ônibus para Mauá (cidade vizinha) e dormiram na casa da avó de P.. ``Fiquei desesperado. A voz parecia de homem, não desconfiei'', afirmou Sidnei Barbosa, 20, irmão de K., que atendeu o telefone.


Amigas acabaram na delegacia

da Agência Folha, no ABCD

Levadas ao 3º Distrito Policial de Santo André, as três amigas demoraram para confessar que tinham enganado todo mundo.
``Elas chegaram dizendo que um homem as tinha jogado dentro de um Chevette e depois abandonado em um terreno baldio. Mas depois elas contaram tudo'', disse o delegado Guérdson Oliveira.
Sentadas no sofá da sala do delegado, as três amigas agiam como se nada tivesse acontecido.
Diziam estar arrependidas, mas não escondiam a satisfação de ter vivido uma grande aventura. Leia a seguir a entrevista que elas deram à Folhinha. (FÁBIO ZANINI)


``A gente não agüentava mais''

Folhinha - Por que vocês fingiram o seqüestro?
M.
- Não fingimos, fomos seqüestradas. Um homem parou no meio da rua e...
P. - É mentira dela. Vou contar tudo. Não teve seqüestro. A aula estava muito chata, ia ter mais uma, de português, e a gente não agüentava mais.
Folhinha - De quem foi a idéia?
M. e P. - Dela (apontam para K.).
K. - Minha nada. Eu só falei brincando: ``Já pensou se a gente fosse seqüestrada?''. Aí elas acharam ótimo e correram para um telefone público. Eu tive de ir também.
Folhinha - Vocês não pensaram que seus pais fossem ficar preocupados?
K.
- Ia ser só um susto neles. Mas a bronca na gente ia ser muito maior. Foi o maior azar termos sido descobertas.
Folhinha - Vocês estão arrependidas?
M.
- Acho que foi feio o que a gente fez.
P. - Mas foi engraçado. A gente ia aparecer na TV.
Folhinha - O que vai acontecer com vocês agora?
K. - Acho que vou ficar de castigo. Na escola, vai ser a maior festa.


Meninas repetem TV

da Redação

Na lei brasileira, pessoas com 12 anos ou mais são consideradas adolescentes. Eles têm deveres que as crianças não têm e respondem pelos atos infracionais (o mesmo que crimes, para adultos) que cometem.
Entre as meninas que inventaram o seqüestro, apenas M.A. pode ser processada. Isso quer dizer que ela tem direito a defesa e que, se for considerada culpada, deve pagar uma pena.
Pela lei, a pena vai desde advertência até pagamento de multa ou prestação de serviços à comunidade, caso o adolescente cause prejuízo a alguém. A Justiça pode orientar os pais para prevenir que o adolescente cometa outros atos infracionais.
Para a psicóloga Cenise Monte Vicente, o seqüestro de mentira armado pelas meninas não foi um ato que mereça reparação.
``Na verdade, foi um jogo de faz-de-conta, uma encenação de coisas que elas vêem na TV. Não acho que isso seja infração.''
Segundo Cenise, o ``seqüestro'' foi apenas uma maneira encontrada pelas meninas para reclamar da escola. As três fizeram uma dramatização, isto é, um teatro, em vez de dizer o que estavam sentindo.
``Foi uma forma de dizer `essa escola é chata, eu não quero ir.' Talvez as meninas sintam falta de oportunidades para dialogar com pais e professores. Então criaram um presídio imaginário para fugir do presídio da escola'', diz a psicóloga, do grupo Oficina de Idéias.
A Folhinha deu só as iniciais das meninas porque a lei manda proteger as identidades dos menores de 18 anos suspeitos de terem cometido infrações. (FR)

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