Índice


Um quintal enorme para a turma brincar

Fotos Fabrizio Rigout/Folha Imagem
Meninas colhem flor do arbusto assa-peixe


FABRIZIO RIGOUT
enviado especial a Miranda (MS)

Quando os pássaros começam a gritar todos juntos, é hora de levantar na fazenda Caiman.
A mãe já saiu de casa e foi à sede cozinhar para os turistas. O pai está cuidando da boiada no mangueiro, que é como eles chamam o curral lá no Pantanal.
Os meninos despertam de sonhos bons de viajar por campos e estradas, dormindo no mato, tocando os bois. E saber de cor os nomes de todas as 700 espécies de animais que vivem em sua terra, para ensinar ao pessoal da cidade.
Eles estão a 36 quilômetros da cidade de Miranda (MS), bem no meio do mato, longe de ruas e avenidas. Todos moram perto e se conhecem pelo nome.
Até na hora de estudar a turma está junta. A segunda, a terceira e a quarta séries têm aula na mesma classe.
Depois da aula, as meninas varrem e lavam o pátio da escola.
À tarde, é hora de ajudar a família em casa para depois poder brincar, brincar muito.


O jornalista Fabrizio Rigout viajou a Miranda a convite da fazenda Caiman.


Peão sabe tudo de cavalo

Meninas na frente de uma piúva, árvore típica do Pantanal


do enviado a Miranda

Você sabe preparar um cavalo? Adalto Ferreira, 13, ensina como fazer:
"Embuçala o nariz dele, põe o couro na testa dele e coloca a peiteira para a tralha não se mexer. A tralha de sair é arreio, pelego, duas chinchas (um travessão e um peguá), chinchador para apertar a badrana, estribo, maneador, ligeira para apresinhar o laço, e buçal."
Adalto aprendeu essas palavras -que parecem língua estrangeira- porque é filho de peão.
Os peões são as pessoas que cuidam dos bois. Dão vacinas, fazem curativos, separam a boiada.
Os peões também participam de comitivas, longas viagens para levar a boiada de uma fazenda a outra.
"Se escapa um boi no caminho, você sai na ponta do gado e rebate a boiada. Não pode sair todo mundo atrás, senão esparrama. Aí você chama o sinuelo, um boi obediente, e o põe para amansar e guiar o boi que escapou", conta Adalto.


Histórias de lobisomem

A noite na fazenda é escura. Encontrar o caminho de casa, só com a ajuda do brilho da Lua. Nessas andanças, coisas sobrenaturais acontecem.
"Tem um homem preto que balança a ponte quando chega meia-noite e derruba quem estiver passando", conta Roberta Arruda, 9.
Aline Ledesma, 12, conta histórias de monstro. "Eu apaguei a luz de casa e apareceu um lobisomem debaixo da mesa. Quando eu acendia, ele sumia. No dia seguinte, tinha um monte de bosta esparramada no chão."
Rodrigo Nunes, 9, assistia a TV quando "veio um redemoinho que quase derruba a porta. Os cachorros latiam. Meu pai foi ver e achou um pé enorme, de bicho."


Mistura de línguas e danças

A família de Cleodir Correia, no quintal de casa


do enviado a Miranda

Cleodir Correia, 11, nasceu na aldeia indígena Ipegue, na cidade de Aquidauana (MS). Entre os índios terenos, ela andava descalça e sabia até algumas palavras de sua língua.
"Uné quer dizer água, piritau é faca... essas coisas. Meus pais sabem melhor que eu", conta.
Cleodir ensinou uma dança indígena a Aline, sua colega de escola, e as duas se apresentaram na festa da fazenda. Com a parceira Edna, ela ganhou um concurso de vanerão -baile gaúcho muito popular no Pantanal.


Dividindo a escola

do enviado a Miranda

Paula Soares e Cléia Botelho estudam na mesma classe. Uma tem 18 anos e a outra, a metade: 9 anos. Elas não vêem problema em ter aula ao mesmo tempo. "Cada série copia a lição de um quadro-negro", contam. A sala fica dividida em três pedaços imaginários e, enquanto uma série copia a lição do quadro, a professora explica a matéria para a outra série.
Escolas rurais como essa são pequenas por que os alunos são poucos. Nas áreas mais afastadas, há também o problema da falta de professores preparados.

Fale com a Folhinha: folhinha@uol.com.br