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Fácil entrar, mas impossível sair

Arthur Nestrovski
especial para a Folhinha

Era uma vez um monstro horrível, chamado Minotauro. Metade touro (a cabeça e o rabo) e metade gente (braços e pernas), ele era o monstro do rei Minos.
Era tão terrível, mas tão terrível, que o rei mandou construir um lugar especial só para prender o Minotauro.
Nesse lugar era fácil entrar, mas impossível sair. Só tinha corredores e mais corredores, que pareciam não acabar nunca.
E como os corredores davam muitas voltas, ninguém conseguia se lembrar do caminho de saída.
Bem no centro, ficava o Minotauro. Ai de quem desse com ele: virava comida de Minotauro.
O nome desse lugar era ``labirinto''. Ficava na ilha de Creta, perto da Grécia. Quem construiu o labirinto foi Dédalo, que era escultor e inventor na corte do rei Minos.
Isso foi há muito tempo. Estou falando de MUITO tempo. Não é que sua mãe nem tinha nascido, não é que seu avô também não tinha nascido ainda: nem ele, nem o pai dele, nem o pai do pai do pai do pai do pai dele. Foi há milhares de anos: nem existia o Brasil.
E até hoje todo mundo se assombra com o labirinto de Creta e com as histórias do Minotauro. Vou contar algumas para você.


Teseu vence minotauro e perde para o vento

De todas as histórias do labirinto, a mais famosa é a de Teseu, o único homem que teve coragem de enfrentar o Minotauro.
Minos, o rei de Creta, ganhara uma guerra contra a cidade de Atenas, na Grécia.
Para manter a paz, agora, os atenienses todos os anos tinham de sortear sete rapazes e sete moças, para serem devorados pelo Minotauro.
Na terceira vez que isso estava para acontecer, o príncipe Teseu declarou que queria ser sorteado e enfrentar o Minotauro no labirinto.
Quando o navio dele chegou a Creta, estavam todos esperando para ver quem era esse príncipe tão corajoso.
Ariadne, a filha do rei Minos, apaixonou-se por Teseu à primeira vista e resolveu ajudá-lo a vencer o monstro e escapar.
Uma coisa era tão difícil quanto a outra. Mas matar o Minotauro não ia adiantar nada, se Teseu não conseguisse sair do labirinto.
Ariadne deu a Teseu uma espada e um fio de linha. A linha era para amarrar na cintura e ir desenrolando enquanto caminhasse; bastava seguir o fio, depois, para encontrar de novo a saída.
Essa história talvez seja boa demais para ser verdade, mas o que dizem é que Teseu matou mesmo o Minotauro e escapou do labirinto seguindo o fio de Ariadne.
A parte triste é o fim. Teseu e Ariadne escaparam, com os outros rapazes e moças, no seu barco.
Mas, quando pararam para descansar, na ilha de Naxos, o deus Dioniso apareceu e disse a Teseu que não podia levar Ariadne, porque ela era sua.
Teseu tinha coragem e força para lutar com o Minotauro, mas não para lutar com um deus. Deixou Ariadne dormindo na ilha e embarcou com os companheiros rumo a Atenas.
Ariadne ficou tão triste, tão triste, que foi diminuindo, diminuindo, até sumir de tanta tristeza. Foi carregada pelo vento -que era o deus Dioniso. (Arthur Nestrovski)


São jardins, castelos e cidades

especial para a Folhinha

Desde a antigüidade até os nossos dias, muitos escritores contaram histórias de labirinto. Nem sempre o labirinto é como o do rei Minos.
Às vezes, é um jardim; outras, um castelo; outras, ainda, uma cidade -como São Paulo, que é tão imensa e complicada que a gente pode chamar de labirinto.
Às vezes, o labirinto nem existe de verdade: o labirinto são as coisas da vida, e alguém está tentando escapar.
Entre os autores da nossa época que escreveram sobre labirintos, ninguém melhor do que o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986).
Para Borges, que ficou cego adulto, o mundo inteiro era um labirinto de palavras e memórias.
Ele, que já tinha lido todos os livros, e se lembrava de quase todos, vivia da memória desses livros e dos outros que ia escrevendo.
Borges gostava de pensar que vivia num labirinto, que ele chamava de biblioteca.
Escreveu uma história sobre o Minotauro, ``A casa de Astérion'', em que a personagem principal é o próprio Minotauro.
E o Minotauro não é um monstro: é um homem quase igual aos outros, que pode sair do labirinto, se quiser, mas não pode sair de si mesmo, o que é uma outra espécie de labirinto.
Borges dizia que o pior labirinto é a linha reta: porque não acaba nunca e por causa, também, do ``paradoxo de Zeno'' (veja explicação abaixo).
Outros dizem que é o tempo (do qual a gente não consegue sair).
Um autor irlandês escreveu um livro em que esses dois labirintos se misturam. O nome dele é Flann O'Brien (1911-1966) e o livro é ``O Terceiro Tira''.


O paradoxo de Zeno é uma história absurda

Há cerca de 2.500 anos, viveu na Grécia um grande inventor de histórias absurdas.
O nome dele era Zeno, e até hoje se conhecem os seus ``paradoxos'' -histórias de coisas que são, ao mesmo tempo, possíveis e impossíveis. São verdades que não podem ser verdade; mas a gente não consegue dizer por que não.
Um bom exemplo é o paradoxo da distância.
Imagine uma linha reta, ligando dois pontos. Para ir de um ponto a outro, você precisa, antes, chegar à metade, não é mesmo?
Mas para chegar à metade, não precisa também chegar à metade da metade?
Mas para chegar à metade da metade, precisa chegar à metade da metade da metade... e assim por diante.
Mas se isso é verdade, dizia Zeno, então é impossível sair do lugar! Tem sempre uma metade que a gente precisa percorrer, antes de chegar a qualquer lugar; e as metades são infinitas.
A solução para o paradoxo de Zeno é muito complicada.
Mas é claro que é só um paradoxo, porque todo mundo está sempre indo de um lugar para outro, quer Zeno queira, quer não. O paradoxo é um labirinto da imaginação. (Arthur Nestrovski)


Viagem não chega a lugar nenhum

especial para a Folhinha

O Terceiro Tira conta a história de um homem que já morreu.
Ele chega a um lugar, que não é exatamente conhecido, mas também não é tão estranho, e começa a encontrar pessoas, que não são exatamente conhecidas, mas são só um pouco estranhas.
Muitas coisas vão acontecendo, ou não acontecendo; tudo parece difícil de se fazer.
Um pneu furado da bicicleta vira um problema sem solução. Aos poucos, ele começa a se dar conta de que está no Inferno.
Nesse momento, a história volta ao início: tudo começa de novo, só que o homem não se lembra.
O Inferno já é a sua vida, que ele fica repetindo para sempre, sem se lembrar, e sem saber que isso já é o Inferno.
O pior labirinto, para Borges, é a linha reta. Para Flann O'Brien, é o círculo: uma linha que se volta sobre si mesma e não chega nunca a lugar nenhum.
Dentro desses labirintos, os dois poetas escreveram lindas histórias, ou labirintos, onde a gente agora pode se perder.
(Arthur Nestrovski)


O labirinto do labirinto

Não sei se existiu um Teseu, ou um Minotauro.
A palavra ``labirinto'' vem do grego ``labrys'', que significa um tipo de machado de duas lâminas.
Talvez o labirinto de Creta tenha sido construído na forma desse machado.
Talvez a história do Minotauro seja uma outra forma de contar histórias mais antigas ainda, em que entrava o machado, que era um símbolo de outros povos, anteriores aos gregos.
Seja como for, a história nunca mais desapareceu. Acho que é porque, de certa maneira, todo mundo é um pouco Minotauro, e um pouco labirinto. Tem gente até que é um pouco Teseu. E tem Ariadnes, também.
Fora das histórias, há outro tipo, ainda, de labirinto, um que todo mundo tem na cabeça. É o labirinto do ouvido, que ajuda a gente a manter o equilíbrio (veja abaixo).
Se a vida da gente -tão cheia de coisas, com tantas pessoas e tantas surpresas- é, como se diz, um labirinto, e se cada um de nós já é um labirinto para si, então o labirinto do ouvido é o labirinto do labirinto do labirinto.
E esta conversa está se tornando um labirinto cada vez mais complicado.
Você pode ver, então, do que estávamos falando: como nas histórias de Borges, no romance de O'Brien, ou no velho mito grego, uma vez que se entra, não se sai nunca mais do labirinto.
Você também já entrou: entrou no labirinto desta história.
Bem-vindo ao labirinto!


Noção de espaço

da Redação

O labirinto do ouvido informa a nosso corpo onde ele está no espaço e o ajuda a se equilibrar. Ele capta vibrações que outros sentidos não conseguem captar. O mais interessante é que não percebemos quando o labirinto está em ação.
Por exemplo, quando estamos numa sala escura dentro de um navio, em mar calmo, não notamos que ele balança. Mas nosso labirinto percebe e comunica isso ao corpo. É por isso que temos enjôo sem querer.

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