Por que a gente
é um número?
FERNANDO BONASSI
especial para a Folhinha
Hoje minha mãe comprou pão, queijo e fez sanduíche. Só que não é pro
recreio, nem é pro lanche
que a gente toma de tarde.
Ela fez também uma garrafa térmica inteirinha de
café, mas não é pra agora.
Então ela pegou uns cobertores, mas não vai arrumar a cama.
Aí ela tirou as cadeiras
de praia de cima do guarda roupa, mas ninguém
daqui vai ver o mar.
Agora mesmo ela tá
acendendo uma vela na
frente da estátua do São
Judas, que sempre ajuda
ela nas coisas bem difíceis.
Mas hoje também não é o
dia de São Judas...
Hoje é o dia da fila.
A gente vai dormir na
porta da escola, pra ver se
eu posso estudar lá. Amanhã eles dão um papelzinho e, se o número do papelzinho for baixo, eu
posso estudar lá.
Mas por que tem que ser
assim? Eu sei que vai ser
uma noite diferente... eu
nunca vi o dia amanhecer
na rua. Vai ser a minha
primeira vez.
Eu sinto que ia ser divertido até, se os meus pais
não estivessem tão preocupados. É, porque eles
estão... estão preocupados
com o que é que vai ser de
mim, se aquele número
não for bem baixinho...
Fernando Bonassi é escritor e roteirista,
autor do infanto-juvenil "Tá Louco!" (ed.
Moderna)