Um jogo que é uma vergonha
FERNANDO BONASSI
especial para a Folhinha
Imagina um jogo deste jeito: o campo é de pedra bem
pontuda e acontece num dia
muito frio.
Num time, os jogadores
têm tênis e camisa de manga
comprida e, no outro, os caras jogam descalços e só de
calção.
O time que tem tênis e camisa ganha fácil, dá aquela
goleada!
O outro fica a maior parte
do tempo tomando cuidado
pra não cortar os pés ou então
esfregando o braço arrepiado
de frio.
Pra mim é um jogo assim, a
diferença da vida entre nós
que temos escola e casa e as
crianças que não têm. Quem
não tem, perde sempre.
Não acho que todo mundo
que tem as coisas é culpado
por causa que os outros não
têm, mas isso não quer dizer
que a gente não possa fazer
nada.
Porque pode.
Porque, se a gente quiser jogar um jogo justo, pode exigir
que os dois times sejam iguais
pra começar.
Não acredito que as crianças de rua viveriam na rua se
tivessem outro lugar melhor
pra escolher.
Se a gente não exigir que todo mundo tenha casa e escola, vai sempre ficar jogando
esse jogo besta.
Ganhando de dez a zero de
um time tão fácil, mas tão fácil, que não vai mais ter o gosto da vitória, vai ter só vergonha.
FERNANDO BONASSI é escritor e roteirista.