A invenção dos contos de fada
LEDA TENÓRIO DA MOTTA
especial para a Folhinha
Foi no século 17, na época áurea dos reis, que o
francês Charles Perrault
escreveu os primeiros
contos de fada, tão apreciados pelas crianças.
Também os reis e rainhas gostavam desse gênero, e foi para diverti-los
-quem diria?- que Perrault começou a pôr no
papel, nas horas de folga,
algumas histórias fantásticas.
Antes dele, só as velhas
amas de tamancos e avental sabiam contar essas
histórias às crianças.
Elas começaram a fazer
grande sucesso nos palácios! E logo entraram em
livros!
É interessante saber,
quando vemos no cinema
``A Bela Adormecida'', ou
quando nos deliciamos
com ``O Chapeuzinho
Vermelho'', ``O Pequeno
Polegar'', ``O Gato de Botas'', ``Cinderela'', ``Barba Azul'', ``Pele de Asno''
e tantas outras maravilhas, que foi com um senhor dos mais ocupados
que tudo isso começou.
Perrault era viúvo e pai
de família, trabalhava como alto funcionário do
reino de Luís 14.
Ele era uma espécie de
inspetor de obras (que fiscaliza, toma conta de
obras) daquele tempo.
O que não o impediu de
fazer uma outra obra, de
arte, para sorte de todos
nós, adultos e crianças,
reis ou simples mortais.
Leda Tenório da Motta é professora de
literatura francesa e crítica literária e traduziu o conto de fadas abaixo.
Conheça `As Fadas', de Perrault
CHARLES PERRAULT
Era uma vez uma viúva que
tinha duas filhas.
A mais velha se parecia tanto com ela, no humor e de
rosto, que quem a via via a
mãe.
Mãe e filha eram tão desagradáveis e orgulhosas que
ninguém as suportava.
A filha mais nova, que era o
retrato do pai, pela doçura e
pela educação, era, ainda por
cima, a mais linda moça que
já se viu.
Como queremos bem, naturalmente, a quem se parece
conosco, essa mãe era louca
pela filha mais velha. E tinha,
ao mesmo tempo, uma tremenda antipatia pela mais
nova, que comia na cozinha e
trabalhava sem parar.
Tinha a pobrezinha, entre
outras coisas, de ir, duas vezes por dia, buscar água a
meia légua de casa, com uma
enorme moringa, que voltava
cheia.
Um dia, nessa fonte, lhe
apareceu uma pobre mulher,
pedindo água:
- Pois não, boa senhora
-disse a linda moça.
E, enxaguando a moringa,
tirou água da mais bela parte
da fonte, dando-lhe de beber
com as próprias mãos, para
auxiliá-la.
A boa mulher bebeu e disse:
- Você é tão bonita, tão
boa, tão educada, que não
posso deixar de lhe dar um
dom (na verdade, essa mulher era uma fada, que tinha
tomado a forma de uma pobre camponesa para ver até
onde ia a educação daquela
jovem).
- A cada palavra que falar
-continuou a fada-, de sua
boca sairão uma flor ou uma
pedra preciosa.
Quando a linda moça chegou a casa, a mãe reclamou
da demora.
- Peço-lhe perdão, minha
mãe -disse a pobrezinha-,
por ter demorado tanto.
E, dizendo essas palavras,
saíram-lhe da boca duas rosas, duas pérolas e dois enormes diamantes.
- O que é isso? -disse a
mãe espantada-, acho que
estou vendo pérolas e diamantes saindo da sua boca.
De onde é que vem isso, filha?
(Era a primeira vez que a chamava de filha.)
A pobre menina contou-lhe
honestamente tudo o que tinha acontecido, não sem pôr
para fora uma infinidade de
diamantes.
- Nossa! -disse a mãe-,
tenho de mandar minha filha
até a fonte.
- Fanchon, venha cá, venha ver o que está saindo da
boca de sua irmã quando ela
fala; quer ter o mesmo dom?
Pois basta ir à fonte, e, quando uma pobre mulher lhe pedir água, atenda-a educadamente.
- Só me faltava essa!
-respondeu a mal-educada- Ter de ir até a fonte!
- Estou mandando que
você vá -retrucou a mãe-,
e já.
Ela foi, mas reclamando.
Levou o mais bonito jarro de
prata da casa.
Mal chegou à fonte, viu sair
do bosque uma dama magnificamente vestida, que veio
lhe pedir água.
Era a mesma fada que tinha
aparecido para a irmã, mas
que surgia agora disfarçada
de princesa, para ver até onde
ia a educação daquela moça.
- Será que foi para lhe dar
de beber que eu vim aqui?
-disse a grosseira e orgulhosa.
- Se foi, tenho até um jarro
de prata para a madame! Tome, beba no jarro, se quiser.
- Você é muito mal-educada -disse a fada, sem ficar
brava.
- Pois muito bem! Já que é
tão pouco cortês, seu dom será o de soltar pela boca, a cada
palavra que disser, uma cobra ou um sapo.
Quando a mãe a viu chegar,
logo lhe disse:
- E então, filha?
- Então, mãe! -respondeu a mal-educada, soltando
pela boca duas cobras e dois
sapos.
- Meu Deus! -gritou a
mãe-, o que é isso? A culpa é
da sua irmã, ela me paga.
E imediatamente ela foi
atrás da mais nova para espancá-la.
A pobrezinha fugiu e foi se
esconder na floresta mais
próxima.
O filho do rei, que estava
voltando da caça, encontrou-a e, vendo como era linda, perguntou-lhe o que fazia
ali tão sozinha e por que estava chorando.
- Ai de mim, senhor, foi
minha mãe que me expulsou
de casa.
O filho do rei, vendo sair de
sua boca cinco ou seis pérolas
e outros tantos diamantes,
pediu-lhe que lhe dissesse de
onde vinha aquilo.
Ela lhe contou toda a sua
aventura. O filho do rei apaixonou-se por ela e, considerando que tal dom valia mais
do que qualquer dote, levou-a ao palácio do rei, seu
pai, onde se casou com ela.
Quanto à irmã, a mãe ficou
tão irada contra ela que a expulsou de casa.
E a infeliz, depois de muito
andar sem encontrar ninguém que a abrigasse, acabou
morrendo num canto do bosque.
Moralidade
Se diamantes e dinheiro têm
Para as pessoas valor,
Mais valor têm as palavras
E, mais que valor, resplendor.
Mande sua carta para: folhinha@uol.com.br