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O dia em que os orixás ficaram donos das plantas

LIDIA CHAIB
ELIZABETH RODRIGUES
Especial para a Folhinha


Durante aproximadamente 300 anos, os navios negreiros cruzaram o oceano Atlântico, trazendo da África milhões de negros para o trabalho escravo no Brasil.
Os africanos trouxeram novos conhecimentos sobre a natureza, muitas histórias e sua religião.
O candomblé é a religião dos povos africanos que vieram para o Brasil. Foi proibido e perseguido durante muitos anos. Mas as histórias de seus deuses, os orixás, foram contadas de pai para filho.
O candomblé acredita que os orixás têm o axé, energia que dá o poder de controlar as forças da natureza e de realizar grandes feitos com habilidade e sabedoria.
O conto ''O Dia em que os Orixás Ficaram Donos das Plantas'' é uma adaptação das histórias dos orixás contadas por religiosos do candomblé da Bahia.
Certo dia, Ifá, o senhor das adivinhações, veio ao mundo. Foi morar em um campo. ''Não posso fazer nada nesta terra com tantas ervas daninhas. Tenho de limpá-la'', pensou Ifá, ''mas não poderei fazer isso sozinho''.
Como precisava de ajuda para lavrar o terreno, Ifá foi até o mercado onde se vendiam escravos. Comprou um deles e levou consigo.
De volta à sua terra, ordenou ao escravo:
- Arranque todas essas ervas daninhas que estão tomando conta de tudo.
Observando o campo, o escravo chamou Ifá e disse:
- Não posso arrancar esta planta, pois ela cura a febre.
- Então corte as outras! - exclamou Ifá.
- Não posso também destruir esta aqui, pois alivia as cólicas. Esta outra é para tirar dor de cabeça, e esta traz a sorte, a outra, a calma...
- O que está acontecendo?! - Ifá interrompeu o escravo. - Desse jeito, nenhuma erva será arrancada!... Como você sabe de tudo isso?
- Sei, porque o grande deus Olorum me deu esse conhecimento. Ifá ficou surpreso e resolveu jogar os búzios de adivinhação. Viu que o escravo, na verdade, era Ossaim, a divindade das plantas medicinais e mágicas.
- Fique a meu lado - pediu-lhe Ifá - assim, poderemos unir nossas forças.
Deixarei por sua conta a melhor maneira de tratar essas plantas.
Ossaim concordou, mas com uma condição. Ele disse:
- Eu lhe ensinarei como usar as ervas para tornar as coisas que você faz mais fortes - explicou Ossaim - mas só eu, Ossaim, continuarei a guardar os segredos das plantas.
- E eu direi as palavras que despertam as virtudes de todas elas - concordou Ifá.
Os dois passaram a trabalhar juntos. O adivinho Ifá receitava banhos de folhas e remédios vegetais que aprendia com Ossaim, tanto para casos de doenças, como para trazer sucesso, sorte, energia, serenidade e para resolver assuntos da comunidade.
As outras divindades, que precisavam dos poderes das plantas, sempre tinham de consultar o adivinho e dependiam dos conhecimentos de Ossaim para ter sucesso e saúde.
- Essa situação não pode continuar, disse Xangô, o senhor dos raios, à sua mulher, Iansã, a dona das tempestades. - Ossaim não pode ser o único conhecedor dos mistérios de cada planta e guardá-las todas para si.
- Vamos reunir os outros deuses e resolver o que fazer - combinaram Iansã e Xangô.
Fizeram um grande encontro, e todos concordaram que eles não podiam ficar no mundo sem possuir uma só planta.
Oxóssi, o senhor das matas, contou para os outros deuses que Ossaim colocava todas as ervas que colhia numa cabaça e guardava a cabaça pendurada numa árvore.
- Ele faz isso todos os dias e na mesma hora - comentou o rei das florestas.
- Esse é o momento certo para agirmos! - exclamou Iansã, decidida.
Na hora combinada, ao amanhecer, quando o sol lançava seus primeiros raios, os deuses chegaram próximos ao local onde Ossaim guardava as ervas.
No momento em que ele pendurava a cabaça, Iansã, a impetuosa soberana dos ventos, agitou as pregas de suas saias e criou um violento vendaval.
Ossaim perdeu o equilíbrio e deixou a cabaça ir ao chão, quebrando.
As folhas voaram com o vento. Ele ainda tentou impedir, com um canto mágico, que elas se espalhassem, mas foi em vão.
Cada orixá, rapidamente, catou as folhas ao seu alcance e deu nomes às plantas que estavam em seu poder.
Ogum, o deus da guerra, ficou com uma folha em forma de faca e chamou de espada-de-ogum.
Xangô e Iansã ficaram com folhas da cor de sua preferência, vermelhas, como a folha-de-fogo e a dormideira-vermelha.
Oxalá ficou com o tapete-de-oxalá e o algodão, plantas que têm um branco aveludado.
Oxum ficou com as perfumadas, e Iemanjá, com o olho-de-santa-luzia, porque ele parece pedacinhos do mar refletindo o azul do céu. Assim, cada orixá ficou dono de várias plantas.
Vendo tudo aquilo, Ossaim chamou Ifá.
O sábio adivinho disse então aos deuses:
- A partir de hoje, vocês serão os donos das plantas que estão em seu poder.
Mas, agora, temos de trabalhar juntos, pois somente Ossaim é quem sabe o segredo delas, e só eu posso dizer as palavras mágicas que despertam as suas virtudes.
E assim o mistério das plantas foi guardado para sempre.

LIDIA CHAIB e ELIZABETH RODRIGUES são autoras da coleção de lendas
afro-brasileiras ''Os Deuses de Zumbi'', da editora Maltese.

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