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Minha professora de desenho

MARCELO COELHO
Da Equipe de Articulistas


Falando a verdade: escola é uma chatice. Pelo menos a minha era. Essa história de aprender tabuada, de fazer prova, de responder chamada... eu não gostava.
Ficava feliz quando aparecia uma gripe. Existe coisa melhor do que uma gripe? Eu juntava todos os brinquedos em volta da cama. Traziam revistinhas.
Chocolate. Televisão ligada.
A televisão não ficava no meu quarto. Ficava no quarto dos meus pais. Mas quando eu tinha gripe, levavam a televisão para eu ficar vendo na cama.
Mas eu disse que a escola era chata. Só que me esqueci de uma coisa: as aulas de desenho. As aulas de desenho eram legais.
Toda sexta, depois do recreio, dona Marisa (naquele tempo a gente não chamava de "tia") saía da sala. E entrava a professora de desenho. A dona Bruna.
A dona Marisa era gorducha, usava coque no cabelo, e se pintava feito uma louca. Batom. Sombra azul-marinho nos olhos. Uma peruaça. Eu não gostava da professora Marinês.
Mas daí entrava a professora de desenho. A professora Bruna. Ela era mocinha. Tinha cabelos castanhos. Lisos e compridos.
Era uma farra a aula de desenho. A gente abria os cadernos de desenho. Eram folhas de papel em branco. Você podia fazer o que quisesse, e a professora Bruna deixava. Ela era linda.
Um dia, ela estava atrasada. O tempo ia passando, e ela não chegava. Todo mundo estava louco para ter aula de desenho.
Por que será que ela estava atrasada? Nessa idade, a gente sabe pouco sobre o mundo dos adultos. Talvez ela tivesse brigado com o namorado. Talvez o diretor da escola tivesse dado uma bronca nela. Quem sabe ela tivesse sido despedida da escola. Quem sabe o pai dela estivesse doente no hospital.
A gente, na classe, não queria saber de nada. Só queria ter aula com a professora Bruna.
Foi quando ela apareceu. E todos nós, meninos e meninas, ficamos contentes. Íamos ter aula de desenho. Mas não foi só ficar contente. Foi uma espécie de alegria total, de farra, de gritaria, de zoeira.
Ela entrou na classe. Alguém gritou: É a Bruna!
Naquela época, não era certo dizer "é a Bruna". Todo mundo tinha de dizer: "é a dona Bruna". Mas ninguém ligou.
Todo mundo começou a gritar: Bru-na! Bru-na! Como se ela fosse a Bruna Lombardi.
BRUU-NA! BRUU! NA!
Eu vi a dona Bruna entrando na classe. No meio da gritaria, ela começou ficando alegre. Deu um sorriso. O sorriso dela era lindo.
BRUU-NA! BRUU-NA!
Depois, ela ficou assustada. Não estava entendendo aquela zoeira.
BRUNA! BRUNA!
Foi então que eu vi. Ela começou a chorar. E saiu da sala de aula. Na hora, eu não entendi.
Mas depois fiquei pensando.
Quem sabe, ela ficou assustada. Quem sabe a professora Bruna não imaginava que todos nós estávamos gostando tanto dela. E, às vezes, muito amor assusta as pessoas.
Quem sabe, ela ficou brava. Naquela época, como eu disse, não tinha essa história de "tia Bruna". E foi chocante. De repente, a classe toda chamando a professora só de "Bruna":
Bruu-na! Bruu-na!
Como se ela fosse irmã da gente, como se fosse empregada. Como se fosse "a Bruna" e não "dona Bruna".
Ela saiu chorando da classe. Nunca mais voltou. As aulas de desenho acabaram. Acho que ela ficou triste com a zona que a gente fez. Mas é porque a gente gostava dela.
Aprendi uma coisa com essa história. É que às vezes, quando a gente gosta demais de uma pessoa, não dá certo. A gente fica muito bobo. A gente começa a gritar: Bruna! Bruna!
E a Bruna se assusta.
Ouça este conselho.
Se você gosta muito de alguém, não faça escândalo. Não fique gritando "Bruna! Bruna!". Finja que você acha essa pessoa legal, mas só isso. Se não, a pessoa se assusta. E sai chorando.
Quando a gente gosta de alguém, a gente tem que fazer como sorvete, dá uma mordidinha. Mas não enfia o nariz na massa de morango. Senão, vão achar que você é um idiota.
Toda a minha classe gostava tanto da Bruna que ela se assustou. Se a gente fosse mais esperto, fingia que não gostava tanto.

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