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A correspondência é renovada aos domingos, terças
e quintas



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Mario Sergio   São Paulo
Ivan Lessa   24/12/2000
Atração núbil para o dente


Ivan,

É como aquela manchete de um jornal de Teresópolis há alguns anos: "Quando menos se esperava, chegou o Natal".

Você deve ter desacostumado do que é o Natal no Brasil. Reavivo sua memória. Tenha em mente que faz um calor boçal. Que chove à beça. Chuva concentrada, dura uma, duas horas, mas é o bastante para inundar tudo, parar o trânsito, enervar ainda mais as pessoas. Todo mundo sai de casa. As ruas, os cinemas, os restaurantes, as estradas – fica tudo lotado. As pessoas vão a festinhas de amigo secreto. A confraternizações das firmas. Vão ver vitrines. Vão levar crianças indefesas se assustarem com Papai Noel. As pessoas vão fazer compras. No geral, o dinheiro é curto e as mercadorias, caras. Uma vaga de mau humor percorre a cidade na segunda metade de dezembro. Há agressividade no ar. O mercantilismo toma conta de tudo. A irritação a todos contamina.

Tento ficar em casa. Na semana passada, saí quase que só para nadar. Mas hoje, que remédio, vou às compras. Sim, hoje, dia 24, véspera de Natal. Acho que é o melhor dia. Há algumas regras para que as missão seja levada a bom termo. Primeiro, saber o que se quer comprar. Segundo, saber onde as coisas estão à venda. Terceiro, ter dinheiro para adquiri-las. Quarto, estar na frente da primeira loja na hora de ela abrir. Quinto, voltar para casa antes do meio-dia. Como estou fraco no terceiro item, é provável que dê tudo errado.

E no entanto é Natal. Músicas bobas e belas são lembradas. João cantando "Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel". Sinatra: "O what fun it is to run in a one-horse open sleigh". Bing Crosby: "White Christmas". Lennon: "And so Happy Xtmas for me and to you". Vaga, insidiosamente, memórias de outros natais teimam em aflorar à memória. Dói um pouco, às vezes. Mas estamos reunidos, gostamos disso, tomamos o nosso vinho, damos risada, olhamos os filhos – alegres, bonitos, agitados.

O ano, a década, o século, até o milênio estão terminando. É boa essa sensação de fim. De que como há um fim, será possível recomeçar.

Andei relendo uns poemas de Natal. Para compartilhar contigo – já que neste ano não deu para mandar presente (vide item terceiro acima). Escolhi um do João Cabral de Melo Neto, de 1952. Ele curtia a data, acho. Até porque "Morte e Vida Severina" é um auto de Natal. Nesse que transcrevo há muito, em forma concentrada, do que se diz no "Morte e Vida". Há sobretudo essa vontade, essa esperança que a vida prossiga, renovada. Lá vai:

CARTÃO DE NATAL
Pois que reinagurando essa criança
pensam os homens
reinagurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno
suia atração núbli para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem,
o sim comer o não.
Um ótimo natal para você, a Elizabeth e a Juliana.


MS

--------------- Mensagem Original ---------------

De: Mario Sergio
Para: Ivan Lessa
Data: Quinta-feira, 21 de Dezembro de 2000
Assunto: A postura da impostura