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Ivan Lessa   Londres
Mario Sergio   21/12/2000
A postura da impostura


Mario Sergio,

é verdade. Eu fico -- ficava -- debaixo d´água sem óculos. Via tudo embaçado. Fora de foco. Precisamente. Eu já uso, desde os dez anos, óculos fora d´água. Chega. Meu negócio era ver menos, sentir menos o peso -- ai, o peso! -- de meu corpo. Tenho sérias dúvidas a respeito de que o corpo humano não foi feito para nadar. Eu acho que foi. A gente veio do mar. Eu tinha um amigo que sempre que tomava um porre dizia que ia voltar para o mar. Daí se atirava nas pedras da praia do Flamengo. Tinha má pontaria e uma noção precária de mar. Mas, de uma maneira geral, estava certo. Com a perna engessada, um sorriso misterioso, ele parecia mesmo ter voltado para o mar. Nós é que não notávamos.

Escuta, supostamente é para a gente ignorar, mas você tem visto alguns dos muralistas? Minha Nossa, seu! Que violência! Me faz lembrar aquele filme dos Irmãos Marx. A certa altura, o Harpo, com aquela cara de louco, começa a destruir livro, rasgar e comer páginas. O Chico pergunta para o Groucho o que é que há com ele. Groucho responde sereno: "É que ele não sabe ler."

É com imensa tristeza que comunico também que acabei não sendo convidado para o casamento da Madonna, na Escócia. Melhor. Eu ainda estou convalescendo da gripe, ia ser um inferno. Ficará, lá em casa, a camiseta negra com o nome Rocco em letras douradas estampado no peito. Melhor do que tatuagem.

Aí já chegou a moda da tatuagem? Uma tremenda de uma cafajestada! Aquele jogador de futebol, o loirinho que rapou a cabeça, David Beckham, tatuou o nome do filho dele com uma daquelas detestáveis Spice Girls, que eu nunca sei qual é qual. Tatuou bem em cima do rego: Brooklyn, em letras góticas. Como o infeliz foi concebido em Brooklyn, pegou o nome, que é para não esquecer as origens.

Nome que me fascina mesmo é o dessa guerrilheira fria, essa chefe do conselho nacional de segurança do George W. Bush, o Budya (por que é que ele se chama Budya? Estou cansado de tentar catar na Net e não consigo saber nada). Condoleezza Rice. Con-do-lee-zza. Essa eu sei porque foi batizada assim. Li no jornal americano. Os pais faziam gosto que ela aprendesse piano. Achavam lindos de morrer os nomes dos andamentos. Moderato Cantabile, Misterioso, Allegro Ma Non Troppo, Con Dolcezza. A mãe não teve por onde: "Minha filha vai ter tudo que eu não tive! Que Maria, que Rita, que Darlene, que nada! Vai ser Condoleezza e estamos conversados!"

O outro também é bom. O Secretário de Estado. É Côulin Powell e não Cólin. Lembro que na época daquela guerra inexplicada, a do Kuweit (ou é Iraque?), ele mandou uma carta bem humorada para o "The Times" explicando por que é Côulin e não Cólin. Tem a ver com uma rua na Jamaica. Rua Côulin. Por aí.

Nós precisamos falar mais de política. A gente nunca fala de política. Sei que você é vagamente trotsquista. Eu sou vagamente tudo e precisamente nada. Quero que todos morram! Todos os políticos. Eleitos e nomeados. Os que tomaram o poder na marra também. Normalmente, não falo de política porque aqui eles chateiam menos. Mas as coisas estão mudando. Cada vez mais chatos, cada vez mais safados, cada vez mais hipócritas. Eles, aqui, tinham um jeito de fazer as coisas que, de uma certa maneira, você chegava a admirar. Até o Marechal Thatcher dava pra gente aceitar quando via o pau cantando pra cima de sindicalista e mineiro. Agora, parecem todos do Norte. Norte daqui, Norte daí, Norte de todos os lugares. Um horror, o tal de Norte.

Falar nisso, nesse norte: recebi os textos do mais recente debate de Caetano Veloso. Sensacional! Ele vira, fala, mexe, ataca, contrataca, dança, pula, faz careta! Sozinho! Pra ele mesmo! Parece uma mistura da Linda Blair, vomitando verde e virando a cabeça em "O Exorcista", e a festa da Stella Dallas para a filha, em que acabou não indo ninguém. Tem funcionado o esquema do moço? Não é possível! Isso é muito antigo, muito batido! Gimmick por gimmick é melhor tatuar qualquer coisa no rego. Mas vem cá: música para o Antonioni é divino! Essa um amigo ficou de me mandar por arquivo em email. O resto é o xarope habitual, não interessa! Joaquim Nabuco é o cacete! Jorge Benjor é o cacete! Raul Seixas é o cacete!

Quero ver aquele teu amigo erudito escrever e publicar o anunciado estudo, "Caetano: A Postura da Impostura". Há um enorme perigo nisso, você sabe, não sabe?

Como você viu, estou sem assunto, e, mesmo que tivesse, estragaria tudo porque estou uma bosta. Gripe horrenda, esta época, coisas. De qualquer forma, qualquer dia desses é capaz de parar de chover.

Blim-blão!

--------------- Mensagem Original ---------------

De: Mario Sergio
Para: Ivan Lessa
Data: Terça-feira, 19 de Dezembro de 2000
Assunto: Homenagem submarina