charlô of course

Receitas

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Bolo de cacau

Bolo de nozes

Cheese cake

Torta americana

Torta de limão


... zzzzzzzzzzzzzzZZZZ! Finalmente é feriado. Tenho andado muito cansada ultimamente. A vida de uma velha abelha não é nada fácil numa cidade grande. Dedetização, poluição, adoçante dietético, flores de plástico, padeiros atentos... Trabalho 24 horas, sete dias por semana. Mas hoje é o "Dia da Grande Sobra", uma das datas comemorativas mais importantes da colméia. O fato histórico vai fazer dois anos. Me lembro como se fosse hoje. Foi logo depois que descobrimos essa loja de doces... Acho que eles fazem outras coisas além de doces, mas isso não nos interessa.

Era um sujeito de óculos quem mandava no pedaço. Andava pela cozinha fazendo bolos e tortas e ensinando as moças. Montanhas de doces. O paraíso. Não que eu conseguisse chegar perto. Muito pelo contrário. O tal sujeito de óculos vivia tentando me acertar... Ele era melhor com as panelas do que com o mata-mosca. Graças a Deus. Nos doces eu nunca encostava. Ficava com as sobras, um pouco de açúcar aqui, um restinho de mel ali...

A mãe do sujeito de óculos também vinha aqui de vez em quando. Veio uma vez quando o filho estava viajando. Trouxe um bolo de nozes feito em casa e deixou-o na vitrine por alguns minutos. Fiz um vôo de reconhecimento. Dei um rasante sobre aquele bolo e não pude mais desgrudar meus 135 olhos dele. E não fui só eu. Uma cliente entrou na loja naquela hora e também não conseguiu tirar seus dois olhos de cima... Mas ele não estava à venda. A mãe do sujeito de óculos explicou que seu filho não queria o bolo de nozes na loja, que o achava caseiro demais, cafona mesmo... seja lá o que isso quer dizer. Sujeito metido a besta. Só queria saber de crème brûlée, cheese cake, essas coisas. Só o que soasse sofisticado... Não entendia nada de doces... No dia seguinte, veio uma outra cliente. Estava escolhendo uns doces ali no balcão. Daqui eu pude perceber que ela não sabia o que levar. Torta de maçã, torta de limão, torta de figo fresco ou mousse de chocolate?

"Bolo de nozes", sugeriu a mãe do sujeito de óculos. Aí eu pensei: vai dar rolo. Quando ele chegasse não ia gostar nada dessa história... Acontece que a cliente adorou a sugestão e, para surpresa das funcionárias da loja, a mãe do cara de óculos correu para a cozinha e começou a fazer o tal bolo.

Só que ela estava acostumada a fazer o bolo de nozes em casa, em pequenas quantidades e só para a família. Teve que reaprender a receita. Açúcar, ovos, leite e nozes cruzavam a cozinha numa velocidade estonteante. Mesmo para uma abelha... A encomenda era para o dia seguinte e foram várias tentativas até ela conseguir fazer o bolo com o tamanho certo. As sobras eram jogadas fora. Uma maravilha. Em menos de uma hora tínhamos uma cesta lotada de bolo de nozes. Bati um rádio para a colméia e veio a tropa toda. Aquelas sobras nos alimentaram por muitos e muitos meses. Foi um acontecimento nacional. A rainha decretou ponto facultativo e aquele se tornou para sempre o "O Dia da Grande Sobra".

Vários bolos de nozes estavam em cima do balcão quando o sujeito de óculos chegou, duas semanas depois. Ele surpreendeu a mãe com as mãos brancas de farinha e um sorriso desconcertado no rosto. As funcionárias olharam todas para o chão, prontas para serem repreendidas. Mas o sujeito de óculos teve de se render às evidências. Depois da primeira venda, no "Dia da Grande Sobra", o bolo se tornou um sucesso de público. Encomendas não paravam de chegar. Até hoje o bolo de nozes é um campeão de vendas da loja... Isso é que eu não entendo: se aquele bolo fez tanto sucesso, por que o "Dia da Grande Sobra" não é comemorado também entre os humanos? Curioso... ZZZZZZzzzzzzzz...

Até 1984 nossa produção era basicamente patês e terrines, aos poucos fomos diversificando até que em 1985 abri minha primeira loja na rua Attilio Inocenti, onde vendiamos quiches, tortas e bolos. Na minha nostalgia francesa, sonhava em produzir doces com sotaque europeu. Minha mãe sugeria que eu fizesse bolo de nozes e eu, na minha inexperiência, retrucava que era muito comum. Quando voltei de uma viagem, o bolo de nozes era sucesso e eu tive que me render as evidências: as coisas comuns são ótimas.


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