A
coluna de hoje é típica de meu colega colunista e advogado Gino Brasil
por se tratar de uma questão de direito. Entretanto, o assunto tem muito
a ver com o que ocorre no dia-a-dia sentado no banco do motorista e por
isso, data venia do Gino, vou falar de assunto de competência
dele.
Em 5 de junho do ano passado usei um estacionamento na região da Av.
Paulista, de nome Tik-Tak Estacionamento Ltda., rua Padre João Manoel,
60, no primeiro e segundo subsolos de um grande e conhecido conjunto
comercial da capital paulista, o Conjunto Nacional. Estacionei
normalmente, à direita numa vaga diante de uma parede e em ângulo
aproximado de 45 graus, conforme a demarcação de solo. A parede era uma
lateral de um grande espaço retangular de cerca de 440 metros quadrados
(40 x 11 m).
Ao ir embora, saí para trás com a direção toda esterçada para a
esquerda, de maneira que, terminada a marcha à ré, o carro já ficasse
apontado para a saída do espaço rumo à saída. Com o cuidado que
normalmente tenho ao dar ré, movimentei o carro consultando os dois
retrovisores externos para evitar tocar em alguma coisa, mesmo que fosse
pouco provável naquele enorme espaço.
Só que de repente — “pam!” — uma pancada seca. Não era possível ser nada
nos lados. Olhei pelo interno e vi, surpreso, uma coluna praticamente no
centro da traseira. Olhei o estrago em meu carro: pára-choque de
plástico destruído e parte da tampa traseira amassada. Fiquei possesso.
Como era possível haver uma coluna naquele ponto?
Se havia uma coluna em local que ninguém espera, ela deveria ser bem
sinalizada, mais um aviso na parede tipo “Cuidado ao dar ré: coluna
atrás”. É o que qualquer operador de estacionamento responsável faria.
Mesmo porque quem chega àquela vaga não percebe a existência da coluna
porque está olhando para a direita.
Por minha noção de direito, o estabelecimento foi relapso. Todo
obstáculo à movimentação de veículos tem de estar claramente sinalizado.
Achei que me caberia indenização sob a forma de reparo dos danos por
conta do estabelecimento. Ao mesmo tempo, acreditei que serviria para a
firma tomar medidas que evitassem batidas semelhantes no futuro, que
tanto aborrecem.
Procurei o gerente, Osório de Souza Araújo, mas havia saído. Nos dias
subseqüentes tentei contato telefônico, mas em vão, nunca estava.
Enviei-lhe três fax, e nada. Até que um dia uma pessoa com nome de
Antônio, que se identificou ao telefone como contador da firma, disse
que não pagariam nada, que o culpado pela batida havia sido eu. Resolvi
apelar para a Justiça. No dia 17 de julho entrei com ação de
Procedimento Sumário no Juizado Especial Cível Central (antigo Juizado
de Pequenas Causas).
Via crucis e surpresas
Para meu espanto, a audiência de conciliação — tentativa para as partes
chegarem a um acordo, diante do Juiz — foi marcada para dali a 60 dias
somente, 17 de setembro de 2003. Dois meses! Imaginava algo bem mais
rápido em termos processuais. Nessa audiência de 17/9 não houve acordo,
pois a empresa ré não se considerou culpada, como era seu direito. A
sessão não levou mais que cinco minutos. Foi então marcada a Audiência
de Instrução e Julgamento para o dia 17 de fevereiro de 2004, cinco
meses mais tarde. Seria o julgamento propriamente dito. Desde o dia em
que entrei com ação haveriam de se passar sete meses. Surreal,
não?
Nessa audiência final do dia 17/2/2004, o Juiz de Direito José Paulo
Camargo Magano perguntou-me apenas se a batida fora ao sair da vaga, o
que confirmei. Nenhuma pergunta à outra parte. Começou, então, ato
contínuo a ditar a sentença para a escrevente, que transcrevo:
"A preliminar, em realidade, diz respeito
ao mérito, porquanto, na hipótese do seu acolhimento, existiria embargo
à renovação da ação. Estar-se-ia diante de uma pretensão infundada. No
mérito, o pedido é improcedente, beirando a alegação do autor à má fé, a
qual, todavia, não lhe é imposta na medida em que o mesmo é leigo, não
tendo a petição inicial, embora não deduzida na secretaria do Juizado,
como seria de maior rigor, sido subscrita por advogado. Portanto, à
visão do autor se prende ao seu entendimento subjetivo do que é justo ou
injusto. Com efeito, cada um tem uma convicção sobre o que é justo. Do
leigo, ao menos no presente grau de jurisdição, não se pode exigir a
correta visão do enquadramento dos fatos na seara jurídica. A despeito
de a relação ser de consumo, prevalecendo quanto ao defeito do serviço a
responsabilidade objetiva, há manifesta hipótese de excludente de
responsabilidade, vale dizer, culpa exclusiva do autor. Por primeiro, a
batida ter se dado quando o autor saía da vaga em que estacionou o
veículo. Portando, considerando que a batida se deu na saída, impossível
o demandante não saber sobre a existência da pilastra. Em segundo lugar,
com o devido respeito, a pilastra, por uma razão física, não se
movimentou. Em terceiro lugar, tendo entrado o veículo, é óbvio — e as
fotografias e o croquis das folhas 07 não desmentem isso — havia plena
condição de manobra, bem por isso, de saída ilesa do automóvel. O
ocorrido deu-se por exclusiva desatenção do autor, sendo ele o
responsável pelos danos que sofreu, inclusive na medida em que assumiu a
direção do volante para saída e ingresso do automóvel, não havendo em
nenhum momento, a interferência do preposto da ré a provocar a inexitosa
manobra. Ante o exposto, nos termos do artigo 269, I, do CPC, julgo
improcedente o pedido. (...)".
Fica claro que o juiz considerou perfeitas as instalações daquela parte
do estacionamento, caso contrário não teria julgado minha ação
improcedente, e até de má fé, como chegou a dizer. No momento em que
escrevo a coluna não sei se vale a pena recorrer — desta vez vou ter que
me apresentar com advogado, diz o Código de Processo Civil. Tenho até o
dia 29 de fevereiro para fazê-lo. Se o fizer será por um motivo apenas:
essa firma precisa aprender que deve cuidar para que nada venha
ocasionar danos ao patrimônio alheio.
Não é favor, mas obrigação.
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